sexta-feira, 30 de maio de 2008

Autofagia



Autofagia

Cresce a carência
o medo e a descrença;
consumado o fato:
sociedade e aparência.
Não buscamos mais vitrinas
elas são uma presença.
Nas ruas, nas telas, nos telefones.
por tudo se paga
e o preço de tudo – moeda barata
não paga ou apaga a verdade:
o humano escondido
por trás dos sonhos falidos...
... Mas os sonhos não são vendidos.
Não vendem as horas-ternura
e lojas não têm amigos
que zelem na dor e amargura.
A droga assume e acompanha
embriaga e apaixona;
companheira que brinda ilusões.
Cresce uma autofagia
crematório do real acolhendo o imediato.
Humanos, buscamos deuses?
-Religião é ópio do povo!
Ecoa o chavão e intimida.
Melhor o ópio de fato, dependência,
que pôr consciência à vida.
Fumaça, ampola, êxtase!
Humano! Supremacia demais!
Quem é que pediu consciência?
Paga caro a conveniência
em troca de uns gramas de paz.

Sônia C. Prazeres

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Pejo




Pejo

Estou presa por demais à humanidade
E vaga o meu olhar pela cidade
Pelas calçadas, pelas esquinas marcadas
Dos sofrimentos que exalam
Sou pranto que fica mudo
Que espanta o verso enfeitado
Que vê o pedinte jogado
No frio que me gela as cobertas
Sou navalha cortando as arestas
Das roupas das empregadas
Das mãos todas recortadas
De tanto trabalho sem troco
Meu vôo fica pequeno
Os céus me jogam de volta
Quando vejo essas favelas
E o mundo que lhes revolta
Ah me perdoe!
Esta que escolheste por parceira
Vai te arrancar de vôos lindos
E trazer cheiro de lixo
Não posso deixar de ver isso
Quando o belo me atordoa
E neste canto, sinto que fico devendo;
O encanto me descorçoa
São gente, essas pelas ruas
Almas minhas e são tuas
E andam tão desvalidas...
Nem sei por onde começo
Se sigo ou se só tropeço
Nesse ensaio de tantas vidas.

Sônia C. Prazeres

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Vontade



Vontade

Queria andar pelas ruas, sem tempo.
Ser aquela senhora que passa, que entra
e talvez, alguém cumprimenta:
-Bom dia!
Queria ser ela sem nome,
sem que soubessem onde vou, o que faço.
Queria acertar meu passo
com qualquer solidão companheira.
De repente, queria mudar de nome
nada explicar ou dever;
queria a benção do anonimato
e o sobrenome guardado, gravado no peito
pra ninguém ver.
Queria despregar laços, embaraços de conviver.
Ermitã?
Não. Isso não queria.
Só ser a mulher que passa
a gente olha e saúda:
-Bom dia!

Sônia C. Prazeres