sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Via Sacra


Via Sacra

Diminuo a velocidade
Sigo atenta ao que desorienta
E fora da noção de cidade.
Observo o caminhante que encosta
Deixa do lado a carroça
E busca papel, tenta lata.
Pergunto algo e ele vem
Cheio de conversa e presteza
A informação faz sentir-se
Gente...
Se pergunto seu nome aí!!!
Nossa nem fale! Seus olhos brilham.
Agradeço a delicadeza e ele vai
Todo dia, mesma hora,
Os filhos pra escola
E ele...,
A avenida grande demais
A carroça cheia demais
O pagamento pequeno demais
A bebida fraca demais
E todo dia, diminuo a marcha
Reparo nos passos
E faço que passo.

Sônia C. Prazeres


terça-feira, 2 de setembro de 2008

Fome



Fome

Há fomes de crescimento
De saber, de entender...
Há fome que é argumento
Para ser ou parecer.
Há fome que espera alimento;
Pequeno esse tormento
Só vontade de comer.
Dura é a fome que já desistiu
Que dorme e acorda roendo
O que o corpo já construiu.
Cruel é fome que assiste
A fome dos filhos que tem
Doe estômago, dói alma
Corpo fica enfraquecido
E o coração no desgosto
De ver virar pele e osso
As vidas...os corpos que concebeu.
E não consegue ter força
Esperança de Zé-ninguém
Faltam sonhos, sobram retalhos,
E embala o fato nos braços
De pele e osso também.
Sônia C. Prazeres ©

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Consciência



Consciência

Aquietar-me a mim, gritar-me aos ouvidos!
Ouço os campos que não tenho, as avenidas doentes
Ouço meus sonhos e rio deles
Ouço meus danos e sou inteira!
Gritam-me as favelas, as calhas furadas
Grita-me a vida imensa de cotovelos inchados
Cega-me o peito à hora brilhante da lua
Gela-me o peito à hora morna do sol.
Aquietar-me a mim grita-me aos ouvidos
Como se meus intentos fossem acústicos
E assim, quedada a medo,
Sorridentes vultos sussurram-me impotência?
...escarnecedores...indolentes.
E tudo gira à volta como o carimbo
De eu mesma a acalcar,
Hora na almofada dos sonhos,
Hora na dureza de cada fato a conformar
ciência.
Sônia C. Prazeres

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Cogitando

                                                          Cogitando


Qual a força da nossa indiferença?
Quanto nos move a dor da carne dilacerada
da criança relegada à pobreza de amor
à ausência de pão...
à miséria das guerras cotidianas?
Qual a força da ostentação e das fardas
fartas de glória e gemidos
fartas de dores por dentro, essas fardas...
noutra espécie de degredo
vê-se monstro e inteiro medo.
Qual a força que empregamos na paz?
Quantos Gandhys, Budas, Mdrs Teresa...
quantos Chicos? Mandelas, quantos?
Quantas mãos arregaçam as mangas para
brigar pelo amor num gesto doce, profundo?
Entre um filme humanitário e o violento,
quantos dos olhos nossos ainda são mais o segundo?
A paz dá sono, entedia...
E ridentes, somos a turba torcendo incerta,
escolhendo, ovacionando as dores alheias-nossas
baixando ainda, o polegar de César.
Sônia C. Prazeres

terça-feira, 1 de julho de 2008

Apelo



Apelo

Para que os sinos toquem nos templos interiores
Para que se perceba os delírios e as dores;
Para que a fome seja somente opção... jejum,
Para que se converta a palavra oca
Em olhares, em versos mudos de atenção.
Para fazer emergir da miséria um grande homem;
Para que mudemos na raiz, em espírito!
Para que não erijam mais palanques
No centro das praças gritantes,
Enquanto ronda a miséria pelas esquinas.
Para que não ponham preço de coca nos nossos infantes
Para que não se vendam mais tenras meninas,
Nosso grito incessante, entoado, levado,
Lavado de amor eterno com ou sem poesias
Cheio de esperança nas rimas amenas...
Para fazer crescer as almas pequenas.

Sônia C. Prazeres

sexta-feira, 27 de junho de 2008

Lamento

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Lamento
 
Indescritível lamento
Na falta de um bom argumento
A miséria segue e ecoa.
Some-se a isso a alma humana
Que tudo absorve e re-clama
Passa o tempo
Segue o lamento
Falta de amor-investimento...
E o vazio ecoa!!!
Sônia C. Prazeres

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segunda-feira, 23 de junho de 2008

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Poesia Vexada

Poesia Vexada

Uma poesia do avesso.

Batendo nas portas

do que desmereço.

Incontida, atrevida,

Fincada, sulcada,

Descolorida e trincada.

Uma poesia sem lírios,

Sem quadras,

Lirismo atirado às calçadas

Bêbado, trôpego,

Sem nome, com fome

e de versos e estrofes,

carrega diversos - a prole.

Uma poesia desconexa,

perplexa...vexada...

Sem tempo de beleza

Perturbada...

Vivendo por tudo e por nada.


Sônia C. Prazeres


segunda-feira, 2 de junho de 2008

Faz frio


Faz frio,

e o novelo não rende,
a colcha não chega aos pés
o cobertor é ralinho...
Faz frio e eu me sinto sozinho
ave do deserto

nada por perto
nem árvore, nem ninho...
Venta...

e o mar está furioso
e a madrugada tão lenta...
Gela...

e a lua nem é tão bela...

Carmen Regina Dias

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Autofagia



Autofagia

Cresce a carência
o medo e a descrença;
consumado o fato:
sociedade e aparência.
Não buscamos mais vitrinas
elas são uma presença.
Nas ruas, nas telas, nos telefones.
por tudo se paga
e o preço de tudo – moeda barata
não paga ou apaga a verdade:
o humano escondido
por trás dos sonhos falidos...
... Mas os sonhos não são vendidos.
Não vendem as horas-ternura
e lojas não têm amigos
que zelem na dor e amargura.
A droga assume e acompanha
embriaga e apaixona;
companheira que brinda ilusões.
Cresce uma autofagia
crematório do real acolhendo o imediato.
Humanos, buscamos deuses?
-Religião é ópio do povo!
Ecoa o chavão e intimida.
Melhor o ópio de fato, dependência,
que pôr consciência à vida.
Fumaça, ampola, êxtase!
Humano! Supremacia demais!
Quem é que pediu consciência?
Paga caro a conveniência
em troca de uns gramas de paz.

Sônia C. Prazeres

quarta-feira, 21 de maio de 2008

Pejo




Pejo

Estou presa por demais à humanidade
E vaga o meu olhar pela cidade
Pelas calçadas, pelas esquinas marcadas
Dos sofrimentos que exalam
Sou pranto que fica mudo
Que espanta o verso enfeitado
Que vê o pedinte jogado
No frio que me gela as cobertas
Sou navalha cortando as arestas
Das roupas das empregadas
Das mãos todas recortadas
De tanto trabalho sem troco
Meu vôo fica pequeno
Os céus me jogam de volta
Quando vejo essas favelas
E o mundo que lhes revolta
Ah me perdoe!
Esta que escolheste por parceira
Vai te arrancar de vôos lindos
E trazer cheiro de lixo
Não posso deixar de ver isso
Quando o belo me atordoa
E neste canto, sinto que fico devendo;
O encanto me descorçoa
São gente, essas pelas ruas
Almas minhas e são tuas
E andam tão desvalidas...
Nem sei por onde começo
Se sigo ou se só tropeço
Nesse ensaio de tantas vidas.

Sônia C. Prazeres

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Vontade



Vontade

Queria andar pelas ruas, sem tempo.
Ser aquela senhora que passa, que entra
e talvez, alguém cumprimenta:
-Bom dia!
Queria ser ela sem nome,
sem que soubessem onde vou, o que faço.
Queria acertar meu passo
com qualquer solidão companheira.
De repente, queria mudar de nome
nada explicar ou dever;
queria a benção do anonimato
e o sobrenome guardado, gravado no peito
pra ninguém ver.
Queria despregar laços, embaraços de conviver.
Ermitã?
Não. Isso não queria.
Só ser a mulher que passa
a gente olha e saúda:
-Bom dia!

Sônia C. Prazeres

terça-feira, 11 de março de 2008

Mendicidade


Mendicidade

Nas linhas traçadas
nas mãos descarnadas
que estendem os homens
no rés das calçadas,
não passam estradas
futuro ou ventura.
Noite, vento e trovoada,
ir adiante sem quem se importe.
No caminho um desalinho
e posto - topar com a morte.
Sussurra o povo dividido
entre a “dor” necessária e o alívio:
-nossa! Esse teve sorte.



Sônia C. Prazeres

quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Restauro

Restauro

Fundo do poço
ferida, mágoa latente.
Dor lancinante imiscuída
noutros olhos, noutros braços...
nos laços que formam a gente.
Fundo do poço que traz
a medida da morte,
mas mantém aberta a cova
donde o espírito se ergue
acorda, se esforça
cuida da chaga, ávido de vida
e olhando a abertura acima,
vendo o céu, limite infindo,
recomeça a escalada...a subida;
Não há fim...tudo é saída...
tudo começo...tudo vida.

Sônia C. Prazeres